Muitos empreendedores iniciantes têm em mente um Aplicativo ou Sistema que poderia resolver um problema. Entretanto, na maior parte dos casos, os empreendedores iniciantes estão resolvendo problemas que não existem de verdade, ou seja, que não são dores reais do público-alvo. Que dicas práticas podemos apresentar para que essa distorção seja evitada? Meu objetivo neste breve texto é apontar um caminho prático para quem está pensando em começar uma Startup.
Muitos empreendedores iniciantes têm em mente um Aplicativo ou Sistema que poderia resolver um problema.
Eles ficam usando muito tempo e energia avaliando as possibilidades tecnológicas que poderiam ser incluídas na Solução (Pagamento por Cartão de Crédito, Login a partir de Redes Sociais, GPS, IoT, Inteligência Artificial, Análise Automática de Emoções por Expressões Faciais etc.).
Entretanto, na maior parte dos casos, os empreendedores iniciantes estão resolvendo problemas que não existem de verdade, ou seja, que não são dores reais para o público-alvo.
Escrevi a respeito disto em meu texto “O maior erro de uma Startup e a primeira grande lição aprendida com ele” (weblink) — é necessário Humildade para reconhecermos que servimos à uma Dor alheia, e que esta Dor do outro pode não estar tão clara para nós. É claro que às vezes o empreendedor iniciante busca resolver a sua própria dor, mas não é o que ocorre em geral.
Na maior parte dos casos, os empreendedores iniciantes estão resolvendo problemas que não existem de verdade, ou seja, que não são dores reais para o público-alvo.
O que fazer nesta situação?
Para todo empreendedor iniciante, o mais adequado é sempre dar um passo atrás e focar na Jornada do Público-Alvo. Deve conhecê-lo profundamente, e recomendo sempre que essa análise seja iniciada a partir de diálogos abertos sobre o dia a dia dessas pessoas.
Somente a título de ilustração, vamos imaginar que eu tenha um amigo empreendedor chamado André que me procurou com uma ideia “revolucionária” e “inédita”: fazer um aplicativo para agricultores familiares.
Esse aplicativo permitirá que os agricultores familiares que são vizinhos entre si possam unificar as vendas de seus produtos, aumentando o poder de barganha na hora de negociar os preços com os potenciais compradores.
André está gostando tanto de sua ideia, que começou a pensar que esse aplicativo poderia ter geolocalização e registro online de fotos da colheita, em tempo real. Parece um ideia fantástica, não é mesmo? Já falei sobre empreendedores que ficam conectados emocionalmente, em excesso, a suas próprias ideias no texto “Startup: por que nos apegamos à ideia?” (weblink).
Numa situação assim, é necessário saber se o André realmente tem conhecimento do mercado e do dia a dia do público-alvo, para compreendermos se a Solução que ele propõe resolve mesmo um problema. O André é comerciante, não é agricultor.
É necessário saber se o André realmente tem conhecimento do mercado e do dia a dia do público-alvo, para compreendermos se a Solução que ele propõe resolve mesmo um problema. O André é comerciante, não é agricultor.
Como não possui ninguém próximo à ele que é ou tenha sido agricultor, será necessário que ele realize pesquisas para entender os detalhes deste mercado.
Vou aqui falar de pesquisas, mas não sobre pesquisas de Solução, e sim pesquisas de Identificação de Dor (ou Validação da Dor), o que é algo bem diferente. O restante do texto ilustrará essa diferença. Os passos que apresentarei aqui não constituem uma fórmula que pretende ser completa e nem universal; trata-se de um exemplo didático de um caminho possível.
André apostou num público-alvo: Agricultores Familiares do Oeste Paulista. Numa situação assim, recomendaria que fizéssemos a pesquisa de Validação da Dor, que pode ser traduzida em três etapas:
Na primeira etapa, é importante que o André tenha contato direto com o público-alvo. Converse livremente com ele para compreender como é o dia a dia, num diálogo aberto mesmo, estilo “chamar p/ tomar um café”. Neste café, encoraje histórias de vida e situações cotidianas, sempre fazendo perguntas abertas mais profundas que conduzam à outras situações. Imagino um café com 5 a 10 agricultores.
Na segunda etapa, entendo que poderia haver um questionário qualitativo mais robusto, que inclua questões de rotina pessoal e do negócio. Na situação proposta, é possível que alguns pontos tenham surgido do diálogo aberto, o que nos levaria às seguintes questões:
- Com que frequência costuma ir à cidade?
- Como é o ciclo de plantio?
- Que tipos de dificuldades e obstáculos você enfrenta ao longo do dia? Poderia por favor descrevê-los?
- Qual é o impacto desses problemas em sua vida e nos negócios? Consegue dizer o custo aproximado desse impacto?
- Fale-me sobre a última vez que teve esse problema.
Imagino a aplicação do questionário qualitativo para algo entre 10 e 50 agricultores.
Alguns pontos importantes quanto ao Contato Inicial e ao Questionário Qualitativo:
- Atenção à Linguagem Corporal (tanto a que você demonstra quanto a que lê do entrevistado);
- Se esforce para ser neutro (isso pode ser muito difícil, dependendo de sua conexão emocional com o projeto);
- Tome cuidado com as respostas, pois os entrevistados podem não estar falando a verdade (pretendo escrever um outro texto inteiro a respeito deste ponto).
Alguns pontos importantes: atenção à linguagem corporal, seja neutro e tome cuidado com as respostas.
Na terceira etapa, com base nas informações qualitativas obtidas no segundo passo, é possível gerar um questionário quantitativo mais padronizado. Perguntas que poderiam ser incluídas nele:
- Idade;
- Localização da Propriedade;
- Na colheita de sua safra, selecione os problemas mais recorrentes (listagem de problemas);
- Na comunicação com os intermediários, selecione os problemas mais recorrentes (listagem de problemas).
Imagino a aplicação do questionário quantitativo (online) para o máximo de agricultores que você conseguir. Se quiser deixar algumas (poucas) questões em aberto também vale. A Tabela 1 resume as fases da pesquisa e suas características:
Quanto mais pessoas responderem ao Questionário Quantitativo, maior a segurança estatística das respostas.
Muitas coisas podem acontecer neste processo. Você pode concluir que:
- os agricultores familiares não possuem nenhum problema (altamente improvável, mas vamos manter como um cenário possível apenas a título de ilustração);
- os problemas que você achou que eram problemas na verdade não eram;
- existe um subgrupo de agricultores familiares que possuem um tipo especial de problema, e que esse problema talvez valha a pena ser resolvido;
- Cada agricultor possui um problema distinto (diversidade);
- Quase todos possuem exatamente mesmo problema (isso pode significar oportunidades).
Qual o cenário ideal para se começar a pensar numa Startup? A resposta é: problemas similares de grande incidência no público-alvo. Caso sua pesquisa resulte neste melhor cenário, faça um exercício de avaliar se é melhor tentar resolver somente um problema ou agrupar problemas próximos antes de se criar uma estratégia de Solução.
De qualquer forma, devemos abraçar o mínimo possível de problemas, de preferência um único. Nesse ponto, certamente cabe um texto futuro.
Qual o cenário ideal para se começar a pensar numa Startup? A resposta é: problemas similares de grande incidência no público-alvo.
Se, após todos esses passos, você observar que não encontrou problemas relevantes para serem resolvidos, talvez valha a pena focar em outro público-alvo. Porque o processo é assim: você faz uma aposta num público-alvo em específico; depois, segue o caminho escolhido, procurando por problemas reais desse público.
Entretanto, talvez seja possível que você tenha que reconhecer que não existem problemas relevantes para serem resolvidos. Isso lhe obrigará a alterar a direção, mudando seu foco para outro público-alvo.
Talvez seja possível que você tenha que reconhecer que não existem problemas relevantes para serem resolvidos. Isso lhe obrigará a alterar a direção, mudando seu foco para outro público-alvo.
Observe que, nesta etapa, nada foi dito ou pesquisado a respeito de Solução. Toda a energia e foco ficaram na identificação de possíveis dores e dificuldades do público-alvo. Precisamos saber diferenciar com clareza as fases de Validação de Dor (tema tratado neste texto) e Validação de Solução (tema a ser tratado futuramente).
Existem também as questões da Viabilidade Técnica da Solução (se é tecnicamente possível ou não resolver o problema), do Custo dessa Solução (caso seja possível resolver esse problema, quanto custa?) e, por fim, se o cliente pagaria por essa solução (é mais barato pagar pela solução ou continuar com o problema?). Deixarei para explorar esses pontos adicionais num momento oportuno.
É assim que podemos buscar oportunidades reais de negócio. Como mencionei antes no texto, não pretendo apresentar um caminho universal para todas as situações, apenas um exemplo didático para quem está começando.
Encerro, com este texto, a minha sequência sobre Startups; futuramente, retomarei o assunto. Os próximos textos serão sobre Transformação Digital e outros assuntos de Tecnologia.